Ter dívidas não significa perder sua dignidade, nem viver à margem dos seus direitos. No Brasil, milhões de pessoas enfrentam dificuldades financeiras, e muitas desconhecem que existem leis que protegem o consumidor endividado. Essa falta de informação contribui para um sentimento de impotência, medo e vergonha. Mas a verdade é que conhecer seus direitos pode ser o primeiro passo para reorganizar a vida financeira com mais consciência e menos culpa.
Se você está passando por esse momento, este artigo é pra você. Vamos falar, com clareza e acolhimento, sobre os principais direitos de quem tem dívidas no Brasil — e como usá-los a seu favor para retomar o controle do seu futuro.
Seus direitos como pessoa endividada
1. Você não pode ser preso por dívida civil
No Brasil, ninguém pode ser preso por estar devendo, exceto em casos de pensão alimentícia. Dívidas como cartão de crédito, cheque especial, empréstimos ou contas atrasadas não justificam prisão.
Esse direito é garantido pelo artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal, que diz: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”
O que significa inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia?
Vamos por partes:
Inadimplemento = não pagamento de uma dívida.
Voluntário = quando a pessoa escolhe não pagar, mesmo podendo.
Inescusável = quando *não há justificativa válida* para o não pagamento.
Obrigação alimentícia = são os *valores pagos para sustento de alguém*, geralmente pensão para filhos, ex-cônjuges, ou pais em situação de necessidade.
Ou seja: prisão civil por dívida só é permitida quando a pessoa deliberadamente deixa de pagar pensão alimentícia mesmo tendo condições de pagar e sem justificativa plausível.
Exemplo: alguém que tem salário fixo, mas decide não pagar a pensão do filho por vontade própria, sem nenhuma razão justificável. Nesse caso, a Justiça pode autorizar a prisão como forma de forçar o pagamento.
E o que é o depositário infiel?
O depositário é uma pessoa que fica responsável por guardar ou cuidar de um bem que não é seu, por ordem judicial ou contrato.
Quando essa pessoa não devolve o bem ou se recusa a entregá-lo, é chamada de depositário infiel.
Mas atenção: apesar de a Constituição mencionar a prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que não se pode prender ninguém com base nisso, seguindo o entendimento do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm , que tem força de norma constitucional.
Também é reforçado pelo artigo 528 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm , que limita a prisão civil apenas aos casos de dívida alimentícia quando o devedor deixa de pagar, mesmo tendo condições.
Portanto, se sua dívida não é de pensão alimentícia, ninguém pode mandar você para a prisão por causa disso.
2. Seu nome só pode ser negativado após aviso prévio
Antes de incluir seu nome em cadastros como SPC e Serasa, o credor é obrigado a avisar você com antecedência — geralmente por carta, e em alguns casos por e-mail ou SMS.
Esse direito está garantido no artigo 43, §2º do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que afirma:
“A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.”
Ou seja: você tem o direito de saber que será negativado antes que isso aconteça, para poder quitar ou negociar a dívida.
Se o aviso não for feito, a negativação pode ser considerada indevida, e você pode:
Exigir a retirada do seu nome dos cadastros;
Registrar uma reclamação no Procon. Pra quem é do Estado de São Paulo https://consumidor2.procon.sp.gov.br/login
E, em alguns casos, pedir indenização por danos morais na Justiça.
- Fique atento aos seus dados de contato e procure manter seus cadastros atualizados para não perder comunicações importantes como essa.
3. Você tem direito à negociação
O devedor pode — e deve — buscar negociações. Nenhum credor é obrigado a aceitar qualquer proposta, mas você tem o direito de tentar acordos justos e de não ser coagido a aceitar condições abusivas.
Esse direito está amparado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente nos seguintes artigos:
Artigo 6º, inciso V – que garante ao consumidor a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou que se tornem excessivamente onerosas:
“São direitos básicos do consumidor: […] V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.”
Além disso, a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14181.htm que alterou o Código de Defesa do Consumidor, passou a incentivar renegociações coletivas e extrajudiciais para consumidores que não conseguem pagar suas dívidas básicas.
Portanto, você tem o direito de buscar acordos, propor alternativas viáveis e não ser forçado a aceitar condições abusivas. Se sentir que está sendo pressionado, procure orientação no Procon ou no CEJUSC (Centro Judiciário de Solução de Conflitos) no seu Estado, eles têm a função de promover a autocomposição das partes, facilitando a resolução de disputas de forma consensual.
4. Cobrança abusiva é ilegal
Cobranças feitas com ameaças, constrangimento, ligações insistentes fora do horário comercial ou contato com familiares e vizinhos são consideradas abusivas e proibidas por lei.
Este direito está garantido no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente:
Artigo 42 do CDC:
“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”
Além disso, o Artigo 71 do CDC prevê que praticar esse tipo de cobrança pode ser considerado crime:
“Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – detenção de três meses a um ano e multa.”
Quais práticas são consideradas abusivas?
Ligar repetidamente ao longo do dia ou fora do horário comercial;
Falar com vizinhos, colegas de trabalho ou familiares sobre sua dívida;
Utilizar tom ameaçador, constrangedor ou ofensivo;
Enviar mensagens com termos humilhantes ou de intimidação.
Você pode e deve denunciar este tipo de cobrança ao Procon ou ao Ministério Público de seu Estado, em São Paulo, o site do MP é: https://sis.mpsp.mp.br/atendimentocidadao
Lembre-se: ter uma dívida não tira seus direitos — e um deles é ser tratado com respeito
5. Dívidas caducam após 5 anos
De acordo com a lei brasileira, após 5 anos, uma dívida prescreve, o que significa que ela não pode mais ser usada para negativar seu nome nos cadastros de inadimplentes, como SPC, Serasa e Boa Vista.
Esse direito está previsto no:
Artigo 206, §5º, inciso I do Código Civil (Lei nº 10.406/2002):
“Prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.”
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 43, §1º, determina:
“Os cadastros e dados de consumidores relativos a atos negativos, como inadimplência, não podem conter informações com mais de cinco anos.”
O que acontece após esse prazo?
A dívida continua existindo e pode ser cobrada judicialmente, mas:
- Seu nome deve ser retirado dos cadastros de restrição de crédito;
- Você não pode mais sofrer restrições para conseguir crédito com base nessa dívida;
- O credor não pode renovar a negativação automaticamente após esse prazo.
Atenção: esse prazo de 5 anos começa a contar a partir do vencimento da dívida (ou do último pagamento feito, se houve parcelamento).
Conclusão
Estar endividado pode abalar a autoestima, a rotina e a saúde mental. Mas isso não significa que você perdeu o controle da sua vida ou dos seus direitos Ao contrário: este é o momento ideal para buscar informação, se proteger de abusos e iniciar um novo capítulo com mais consciência.
Conhecer seus direitos é parte fundamental do processo de reconstrução financeira. Não se trata apenas de sair do vermelho, mas de retomar o protagonismo sobre o seu dinheiro — e sobre a sua história. E isso é, sim, uma escolha com propósito.

Sou Ane Campos, Advogada e Especialista em Direito Digital, com mais de 10 anos de experiência na assistência social em São Paulo. Trago uma visão única que une desenvolvimento pessoal, resiliência e o impacto do mundo digital na autoestima e na clareza de propósito. Aqui, compartilho ideias e ferramentas para inspirar mudanças reais e escolhas mais conscientes.
Obs: O conteúdo deste blog tem caráter informativo e reflexivo, e não substitui orientação profissional individualizada.